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Operação Nariz Vermelho

Vinte anos a fazer as crianças sorrir

Por: Diana Mendonça

Duas décadas após o seu início, a Operação Nariz Vermelho (ONV) continua a sua missão de levar a alegria e sorrisos às crianças que estão hospitalizadas através dos doutores palhaços. De três artistas e três hospitais, vinte anos depois, passaram para 33 artistas e 17 hospitais públicos. Chegar a todas as crianças e jovens hospitalizados nos serviços de pediatria de Portugal é o principal objetivo desta organização. Rosária Jorge, diretora-executiva da ONV, faz o balanço à PME Magazine destes 20 anos de existência e fala dos desafios que a ONV enfrenta.

 

PME Magazine (PME Mag.) – Qual o balanço da Operação Nariz Vermelho (ONV), ao fim de 20 anos?

Rosária Jorge (R. J.) – É um balanço muito positivo, feito de muitas aprendizagens e de crescimento sólido e sustentável. A Operação Nariz Vermelho, fundada em 2002 por Beatriz Quintella, a “doutora da graça”, é uma associação sem fins lucrativos e tem a missão de levar alegria às crianças hospitalizadas através da arte dos doutores palhaços. Estes artistas profissionais têm formação específica para atuarem em ambiente hospitalar e trabalham em duplas fixas, visitando o mesmo hospital durante seis meses, com um projeto artístico bem definido e uma relação muito próxima com os profissionais de saúde, e adaptam a sua presença e interação à realidade de cada serviço, cada quarto e cada criança.

O projeto, inédito no nosso país na altura em que surgiu, começou com três artistas a visitarem três hospitais. Vinte anos depois, contabilizamos cerca de 53 mil encontros anuais com as crianças em mais de 100 serviços de 17 hospitais públicos (11 em Lisboa e Vale do Tejo, cinco no Norte e um no Centro), que representam 30% das instituições hospitalares e 51% das camas pediátricas ocupadas no SNS. A equipa da ONV conta com 33 doutores palhaços, liderados pelo diretor artístico. No escritório trabalham 19 pessoas nas áreas de comunicação, angariação de fundos, organização de eventos, relação hospitalar e investigação científica, no Centro de Investigação e Pesquisa, incluindo também a equipa administrativa e a direção executiva.

 

PME Mag. – Qual a evolução da ONV enquanto marca?

R. J. – A Operação Nariz Vermelho é uma marca alegre, bem-disposta, com humor (o do palhaço), empática, muito próxima e ao, mesmo tempo, profissional, séria, credível e de confiança. No seu ADN estão a alegria, os doutores palhaços e as crianças.

Ao longo destas duas décadas, a génese da nossa missão manteve-se, mas o projeto da organização evoluiu, e a comunicação da marca também. A relação com a criança continua a ser o foco dos doutores palhaços, mas percebemos que também impactamos os seus familiares, acompanhantes e os profissionais de saúde, por isso, passámos a dinamizar cada vez mais as interações com eles.

A forma como a marca ONV chega ao grande público também veio a mudar. Hoje, a nossa missão tem bons níveis de notoriedade e credibilidade, em grande parte pela aposta na diversificação das fontes de angariação de fundos, no reforço da relação com o mundo empresarial, na dinamização da nossa presença nas redes sociais, website e comunicação media, e no esforço de abrir cada vez mais as portas do nosso mundo a quem está de fora, para que o público saiba aquilo que fazemos e as formas que têm ao seu dispor para nos apoiar.

PME Mag. – Recentemente, mudaram a vossa imagem. O que representa esta mudança ao fim de 20 anos?

R. J. – Ao celebrarmos 20 anos, quisemos revitalizar e simplificar a nossa linha gráfica e apresentar um novo site, elaborado em parceira com a agência Nossa, que está prestes a ser apresentado e que permitirá ao público ter ainda melhor acesso ao nosso trabalho dentro e fora dos hospitais. Também desenvolvemos um selo comemorativo que nos acompanhará ao longo deste ano e que alude ao número 20. Já o logótipo mantém-se inalterado, sempre alinhado com a missão e a personalidade da marca.

PME Mag. – Vão fazer algo especial para assinalar os 20 anos?

R. J. – Sim, vamos ter, ao longo do ano, vários momentos de comemoração, sempre sob o mote “celebrar, agradecer, envolver”. As comemorações dos 20 anos refletem-se num “abrir as portas à comunidade”, trazendo o nosso trabalho para fora dos hospitais, sob a forma de um musical para o público infantil – “Compasso de Palhaço – Pequena Sinfonia para as Horas Vagas” –, criado pelo nosso diretor artístico e o seu elenco, que percorrerá, até ao final do ano, os 17 hospitais onde estamos presentes. No fim de outubro, estreará para o grande público no Centro Cultural de Belém. Em simultâneo, teremos uma exposição interativa nos vários hospitais, intitulada “Da ponta do Nariz ao Sorriso de uma Criança”, que convida miúdos e graúdos a descobrir o mundo dos doutores palhaços.

PME Mag. – Como é que as pessoas vos podem apoiar?

R. J. – Existem diversas formas de apoiar a ONV. Além da consignação do IRS – uma das nossas principais fontes de angariação de fundos, que representa cerca de um terço do nosso orçamento e que é uma forma gratuita de os contribuintes apoiarem uma instituição à sua escolha –, também angariamos fundos através de donativos de particulares e de entidades públicas e privadas, de campanhas anuais, como o Dia do Nariz Vermelho, que se realiza todos os anos em junho, ou da venda de merchandising na nossa “Lojinha”, entre outras formas.

A importância da imagem e posicionamento das empresas junto do grande público, e a forma como as ações de solidariedade social ajudam, ambas, também têm vindo a despertar cada vez mais a atenção de gestores e decisores. Projetos de responsabilidade social têm vindo a ganhar cada vez mais relevo e, ao longo destes 20 anos, temos tido o privilégio de contar com o apoio de vários parceiros, sem os quais muito daquilo que fazemos seria difícil de alcançar, pelo que agradeço, em nome da equipa da ONV, a todos os parceiros que acreditam na nossa organização.

PME Mag. – Qual a campanha que mais vos marcou nestes 20 anos?

R. J. – Tentamos que todas as campanhas que desenvolvemos sejam impactantes e que cumpram os objetivos de cada momento! Mas uma campanha que posso mencionar é a campanha “À procura do teu sorriso”, cujo conceito se centra na procura do sorriso no quarto de uma criança pela dupla de Doutores Palhaços. Estes estão a revirar todos os cantos, a remexer nas gavetas e a abrir armários, quando a pergunta da criança chega:
– O que estão a fazer?
– Estamos à procura do teu Sorriso!

PME Mag. – Em termos logísticos, como é que gere um projeto que lida com crianças hospitalizadas? Quais as limitações?

R. J. – O trabalho da ONV divide-se em duas frentes: a equipa artística, constituída pelo diretor e pelos 33 artistas, leva a imagem do doutor palhaço às crianças; e a equipa do escritório angaria os fundos essenciais à sustentabilidade da missão através de campanhas anuais, como o Dia do Nariz Vermelho, da angariação de doadores particulares e empresarias, e da venda de merchandising na “Lojinha”. A equipa do escritório também engloba os elementos responsáveis pelo secretariado e logística, comunicação e organização de eventos. Por fim, a relação entre a ONV e as equipas dos hospitais, que permite que as visitas dos doutores palhaços se realizem de forma constante e harmoniosa, é assegurada pelas profissionais da área de Relação Hospitalar, que estão em constante diálogo com as equipas hospitalares para garantir a estabilidade do programa de visitas dos doutores palhaços, o bom funcionamento dos equipamentos e infraestruturas e as demais exigências desta parceria que se estabelece para levar alegria às crianças, aos seus familiares e acompanhantes e aos próprios profissionais do hospital.

Quanto às limitações, estas prendem-se sobretudo com a necessidade de angariar, ano após ano, fundos suficientes para manter o trabalho nos hospitais já abrangidos pelo programa de visitas. Visto que fazemos o nosso orçamento do zero a cada ano, precisamos de continuar a divulgar junto da população a importância do apoio à nossa missão e as várias formas através das quais o pode fazer.

PME Mag. – Quais os principais desafios para alargarem a atividade para as ilhas? O que é que é necessário para esta expansão?

R. J. – O nosso maior sonho é um dia chegar a cada criança nas pediatrias do SNS de Portugal. Ainda não estamos presentes em alguns hospitais e regiões, tanto do continente como das ilhas. Para conseguirmos atingir este objetivo temos de garantir sustentabilidade financeira a longo prazo, uma vez que “a abertura” de um novo hospital assume um compromisso de longo prazo: quando assumimos junto do hospital as nossas visitas semanais, queremos que seja “para sempre”. Oferecemos os nossos serviços aso hospitais que visitamos e financiamo-nos junto da comunidade.

Além do desafio financeiro, também há o desafio de alargamento da equipa artística, garantindo sempre a excelência artística do encontro com cada criança.

PME Mag. – Como foi ultrapassar a pandemia? Como conseguiram manter a vossa atividade, apesar das limitações?

R. J. – A pandemia obrigou-nos a olhar para o modo como trabalhávamos e a encontrar forma de nos reinventarmos. Contudo, a construção, ao longo dos últimos anos, da nossa estratégia de gestão, recursos e equipamentos tornou este caminho acidentado mais fácil de ultrapassar. Soubemos nunca baixar os braços e adaptámo-nos desde cedo às condicionantes impostas pela pandemia, desde o teletrabalho à utilização das máscaras e outros equipamentos de proteção individual. Manter a nossa missão viva não se coadunava com redução de recursos humanos, porque são as pessoas que asseguram tanto a manutenção da nossa missão como a angariação de fundos, de modo a assegurarmos as receitas necessárias para nos mantermos ativos. Na verdade, mantivemos toda a gente a trabalhar numa velocidade de sprint, durante uma corrida que sabíamos longa, mas que acabou por tornar-se numa maratona.

Logo em março de 2020, encontrámos uma alternativa para continuar a chegar às crianças: a TV ONV, o canal de YouTube onde todos os dias publicávamos dois vídeos dos doutores palhaços em casa. Vídeos feitos com recursos caseiros, pensados, filmados e editados pelos próprios artistas, e publicados numa plataforma ao alcance de cada criança, não só as que estavam no hospital, mas também as que nos viram a partir das suas casas, o que nos permitiu chegar a um público que, antes, se calhar nem conhecia a ONV.

Em novembro de 2020 demos mais um passo, com o lançamento do “Palhaços na Linha”, um sistema de visitas virtuais, através de tablets presos em suportes de soro que eram levados de quarto em quarto graças à disponibilidade e apoio incondicional de enfermeiras, educadoras e auxiliares, verdadeiros “braços e pernas” da nossa equipa na fase mais crítica da pandemia.

Atualmente (e finalmente! – desde janeiro deste ano), os doutores palhaços já estão de volta aos 17 hospitais e a equipa do escritório está de volta ao trabalho maioritariamente presencial.

PME Mag. – Que ações têm preparadas para o resto do ano?

R. J. – Além da já mencionada tournée do musical infantil “Compasso de Palhaço – Pequena Sinfonia para as Horas Vagas” e da exposição interativa “Da ponta do Nariz ao Sorriso de uma Criança” por 17 hospitais, e da estreia aberta ao público no CCB no final de outubro, também já realizámos a campanha anual do Dia do Nariz Vermelho. A par destas, vamos ter workshops, palestras e outros produtos pensados para o setor empresarial, que nos permitem mostrar o trabalho que fazemos aos parceiros que podem apoiar-nos.

PME Mag. – Em Portugal, que desafios apresenta enfrenta uma organização sem fins lucrativos como a vossa?

R. J. – A maior dificuldade de uma organização sem fins lucrativos é o orçamento. Na ONV, centramos a grande maioria da nossa comunicação na angariação de parcerias pro-bono, de forma a assegurar que a nossa prioridade são os investimentos ligados diretamente à missão, sendo que será sempre impossível ter a abrangência e impacto que uma empresa com budget de investimento nas várias áreas tem.

Além disso, em Portugal, existe muito a ideia de os indivíduos e empresas irem rodando a instituição que apoiam, o que, embora tenha lógica na ótica do doador, que pode identificar-se com diversas causas, representa, para as instituições do terceiro setor, um desafio acrescido, porque significa que nunca podemos tomar como garantido um apoio. Todos os anos temos de trabalhar do zero para continuarmos a poder levar o nosso trabalho e os doutores palhaços até junto das crianças.

PME Mag. – Quais os planos para o futuro?

R. J. – Tal como referi acima, o nosso maior sonho é, um dia, conseguir visitar todas as crianças e adolescentes nos serviços de pediatria dos hospitais em Portugal. Com a experiência e aprendizagens durante o período da pandemia e com o apoio de todos os que acreditam na nossa missão e na qualidade do nosso trabalho, poderemos implementar um plano de expansão que permita, ano após ano, continuar o caminho para esse sonho.