Por: Ana Vieira
Filipa Lemos Cristina, bióloga e especialista em formação baseada em neurociência, defende que o foco das empresas não deve estar apenas nas competências técnicas dos seus colaboradores, mas nas power skills colaboração, comunicação, pensamento crítico, criatividade e empatia.
Em entrevista à PME Magazine, a fundadora da Power Up, Filipa Lemos Cristina afirma que estas competências, que o World Economic Forum já identificou como essenciais, “são transversais, aplicáveis em qualquer função e fundamentais para responder aos desafios de um mercado em constante transformação, independentemente do setor ou do nível hierárquico”.
PME Magazine (PME Mag.) – Como surgiu a Power Up e como é que ajuda os colaboradores a descobrir os seus pontos fortes, dentro de uma organização?
Filipa Lemos Cristina (F. L. C.) – Ao longo de mais de 20 anos de carreira, tive a oportunidade de trabalhar em diferentes contextos – desde a investigação científica, a multinacionais, até ao ecossistema das startups.
O que observei em todas estas experiências é que desafios como a falta de resultados financeiros, baixa produtividade ou dificuldades na fidelização de talento muitas vezes tinham uma origem comum: a ausência de um verdadeiro investimento nas competências humanas ou power skills.
“Competências como a colaboração, empatia e criatividade não eram devidamente cultivadas nas pessoas (…)”
Competências como a colaboração, empatia e criatividade não eram devidamente cultivadas nas pessoas, independentemente da sua função ou nível hierárquico. Esta lacuna acabava por ter um impacto negativo tanto nos resultados das organizações como no bem-estar dos seus colaboradores.
Assim surgiu a Power UP. A nossa missão é medir e desenvolver as power skills mais críticas para a sustentabilidade organizacional – colaboração, comunicação, criatividade, pensamento crítico e empatia. Para isso, criámos ferramentas específicas que avaliam estas competências, desenvolvem e, a partir dos resultados, desenhamos planos de ação altamente personalizados.
Mas o verdadeiro diferencial está na forma como fazemos isso. Sabemos que desenvolver competências ou conhecimento requer compreender como o cérebro aprende e cria hábitos. É aqui que entra a neurociência: aplicamos métodos de neuroaprendizagem que tornam o processo mais eficaz e duradouro. Sem este foco, qualquer formação teria apenas um impacto superficial.
A Power UP nasceu, assim, da vontade de unir ciência, prática e propósito, ajudando organizações a transformar os seus colaboradores e a alcançar resultados sustentáveis.
PME Mag. – O que são power skills e que vantagens podem dar a uma Pequena e Média Empresa portuguesa?
F. L. C. – As power skills são competências humanas essenciais, como colaboração, comunicação, empatia, criatividade e pensamento crítico – identificadas como cruciais nos relatórios do World Economic Forum. Antigamente conhecidas como soft skills, na verdade são competências socioemocionais e cognitivas avançadas, sendo tudo menos soft ou opcionais.
Estas competências são transversais, aplicáveis em qualquer função e fundamentais para responder aos desafios de um mercado em constante transformação, independentemente do setor ou do nível hierárquico.
Para uma PME portuguesa, apostar em power skills pode traduzir-se em:
● Aumento da produtividade: Equipas que colaboram eficazmente, comunicam de forma clara e utilizam pensamento crítico para resolver problemas alcançam resultados mais rápidos, inovadores e de maior qualidade.
● Melhor adaptação à mudança: Competências como criatividade e empatia permitem às empresas encontrar soluções flexíveis e inovadoras em tempos de crise, como no período pós-pandemia, reforçando a capacidade de se reinventarem.
● Fidelização de talento: A empatia e uma comunicação aberta criam um ambiente onde os colaboradores se sentem valorizados, enquanto a oportunidade de colaborar e pensar de forma crítica promove o crescimento pessoal e profissional – fatores determinantes para fidelização talento. E a verdade é que quando perdemos pessoas nas organizações, perdemos as competências e o conhecimento (a forma única como cada um aplica o que sabe à sua função).
● Vantagem competitiva: Empresas que desenvolvem power skills destacam-se ao oferecer soluções mais criativas, alinhadas com as necessidades dos clientes, fortalecendo a relação com o mercado e assegurando relevância a longo prazo.
“(…) o retorno do investimento (ROI) no desenvolvimento destas competências é significativo”.
Além disso, o retorno do investimento (ROI) no desenvolvimento destas competências é significativo. Existem cada vez mais artigos e relatórios internacionais (do Massachusetts Institute of Technology, por exemplo) que falam de um ROI médio de 250%, com benefícios que incluem maior fidelização de clientes, redução de custos associados a recrutamento e um aumento médio de 12% na receita anual (produtividade).
Ao investir nas power skills, as PME estão a preparar as suas equipas para os desafios de hoje, e a criar um futuro mais resiliente e competitivo para o negócio.
PME Mag. – Quais são alguns exemplos práticos de power skills que ajudam as empresas em Portugal a enfrentar crises e incertezas?
F. L. C. – Em Portugal, as empresas enfrentam desafios específicos como a recuperação económica pós-pandemia, a fidelização de talento num mercado competitivo e global, a necessidade de adaptação à transformação digital e a resposta às exigências de sustentabilidade.
As power skills, que podem parecer tão básicas, são de facto fundamentais para enfrentar estas adversidades:
● Colaboração: Num cenário em que muitas equipas continuam a trabalhar de forma híbrida ou remota, a capacidade de trabalhar em conjunto – mesmo à distância – é essencial para manter a produtividade e o alinhamento estratégico.
● Pensamento crítico: Ajuda as empresas a analisar cenários complexos, identificar soluções viáveis e tomar decisões estratégicas em tempos de incerteza económica ou regulatória.
● Empatia: Num mercado onde a fidelização de talento é um desafio, compreender as necessidades dos colaboradores e criar um ambiente inclusivo e humano faz toda a diferença. Também é essencial para construir relações mais fortes com os clientes.
● Criatividade: Permite desenvolver novas abordagens para captar mercados ou otimizar processos internos, promovendo a inovação como resposta à crescente concorrência.
● Comunicação eficaz: Em tempos de crise, comunicar com clareza e transparência – seja com equipas, clientes ou parceiros – é essencial para manter a confiança e o compromisso.
Ao integrar estas power skills no dia a dia, as empresas portuguesas conseguem, não só enfrentar crises, mas também transformar incertezas em oportunidades, fortalecendo a sua posição no mercado.
PME Mag. – Como é que a neuroaprendizagem está a revolucionar a formação profissional?
F. L. C. – A neuroaprendizagem baseia-se na nossa capacidade natural de aprender ao longo da vida, um processo facilitado pela neuroplasticidade. Este termo descreve a capacidade do cérebro de formar novas conexões neuronais à medida que recebemos novos estímulos, adquirindo novos conhecimentos e competências. A neuroplasticidade permite-nos aprender do zero e adaptar e melhorar constantemente as nossas competências. No entanto, é importante perceber que a aprendizagem não é apenas um processo cognitivo. Ela envolve também uma componente emocional, já que as emoções têm um impacto profundo na maneira como processamos e retemos a informação.
“Para que a aprendizagem seja eficaz, os processos de desenvolvimento têm de envolver tanto a parte cognitiva quanto a parte emocional”.
Para que a aprendizagem seja eficaz, os processos de desenvolvimento têm de envolver tanto a parte cognitiva quanto a parte emocional. Métodos como a aprendizagem ativa, que estimula a pessoa a envolver-se de forma prática com o conteúdo, a microaprendizagem, que distribui o conhecimento em pequenas doses para facilitar a absorção, e o reforço positivo, que utiliza estímulos emocionais para fortalecer a memória, são fundamentais para garantir que o conhecimento seja adquirido, ou seja transferido da memória de curto prazo para a memória de longo prazo.
A verdadeira aprendizagem acontece quando conseguimos integrar e aplicar esses conhecimentos de maneira duradoura e prática. Na Power UP, utilizamos estas e outras abordagens baseadas na neurociência para garantir que os conteúdos formativos são absorvidos de forma eficaz e, mais importante, aplicados no dia a dia de maneira consistente e permanente.
PME Mag. – Como vê o futuro do mercado de trabalho em relação à integração de power skills com tecnologias emergentes como a inteligência artificial?
F. L. C. – O mundo está a evoluir rapidamente para uma era cada vez mais tecnológica, mas, como humanos, continuamos a ser a força criativa e estratégica por trás de todas essas inovações. A tecnologia, quando bem aplicada, permite-nos simplificar processos, melhorar a eficiência e aumentar a produtividade. O mesmo acontece com as power skills: competências humanas como colaboração, empatia, criatividade e pensamento crítico têm sido consistentemente associadas ao aumento da produtividade e da inovação dentro das organizações.
” (…) as power skills tornar-se-ão ainda mais cruciais em áreas que exigem criatividade, empatia, pensamento estratégico e julgamento ético”
O futuro será definido por uma simbiose entre as capacidades humanas e as tecnologias emergentes. À medida que a inteligência artificial (IA) assume tarefas repetitivas e operacionais, as power skills tornar-se-ão ainda mais cruciais em áreas que exigem criatividade, empatia, pensamento estratégico e julgamento ético — competências que a IA (ainda) não consegue substituir.
As empresas que souberem combinar competências humanas com IA terão uma vantagem competitiva significativa, pois terão maior capacidade de inovar, adaptar-se a mudanças rápidas e responder a desafios complexos.
Exemplos práticos:
● Empatia e IA: No atendimento ao cliente, a IA pode antecipar problemas e sugerir soluções automáticas, mas são os colaboradores empáticos que, com inteligência emocional, oferecem soluções verdadeiramente personalizadas e compreendem as necessidades subjacentes dos clientes nas situações mais criticas.
● Pensamento crítico e dados: A IA pode fornecer análises preditivas e identificar padrões, mas cabe aos humanos interpretar esses resultados, avaliar o contexto e tomar decisões estratégicas. Um exemplo disso é quando a IA gera “alucinações” (informações incorretas) que exigem uma análise crítica. Ou quando, em pesquisas, a IA menciona fontes ou dados que não existem, sendo necessário que as pessoas validem essas informações.
Acredito que as organizações que valorizarem e investirem nas power skills estarão a preparar-se não só para os desafios do futuro, mas também a construir culturas de trabalho mais resilientes, adaptáveis e inovadoras. Essa integração entre as competências humanas e a tecnologia será a chave para o sucesso sustentável.