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Margarida Ramos Pereira
Margarida Ramos Pereira, tesoureira da PWN Lisbon (Fonte Divulgação)

A atividade financeira e a liderança no feminino – faz diferença?

Por: Margarida Ramos Pereira, tesoureira da PWN Lisbon


Atendendo aos indicadores conhecidos e alguma investigação científica, sim!

A título de exemplo, um estudo recente, levado a cabo pela Crist Kolder Associates, demostrou que as empresas que nomearam mulheres para CFO (chief financial officer) tiveram, passado um ano e em comparação com nomeações de homens, aumentos nos lucros em 6% e de 8% no retorno por ação. Então porque é que a percentagem de mulheres na liderança no setor financeiro – CFO’s – continuar a evoluir de forma lenta?


Defendo a competência, o profissionalismo e a meritocracia. Não defendo a nomeação / escolha da mulher em razão do género. Mas, para que a evolução possa ser mais acelerada, há que combater preconceitos, estereótipos e desafios. Não há dúvidas que as mulheres querem assumir essas posições e não são escassas as profissionais que o almejam.

Longínquos vão os tempos quando, no início da minha carreira como auditora financeira, fui afastada de um projeto porque o cliente, diretor financeiro de uma grande empresa portuguesa, exigiu uma equipa masculina. O que mais me incomodou não foi o cliente ter pedido. Foram os meus superiores terem anuído – o cliente pediu…. Esta situação já aconteceu há cerca de 30 anos. Mas se, àquela data, os meus superiores tivessem defendido a equipa pela competência e não pelo género, teria feito a diferença? Teria ajudado, de certeza. A cultura da sociedade é a soma dos comportamentos individuais. São pequenas atitudes que somadas podem fazer a diferença.

E hoje, é ou seria diferente? Acredito que sim. Logo à partida porque o pedido nem se faz.

Mas, percebe-se, culturalmente, que o “mundo das finanças” seja historicamente liderado por homens. O mercado financeiro é, em termos resumidos, o ambiente onde decorrem operações de compra e venda de ativos, das decisões de investimentos financeiros. Este é assim um mercado agressivo. Agressivo no sentido de estarem duas partes em jogo – quem compra e quem vende, consequentemente, com interesses opostos. Quem vende não pretende mostrar tudo, quem compra quer saber tudo. Quem vende quer ter o maior retorno possível. Quem compra quer pagar o menos possível. Há negociação, há confronto de posições. Há ganhar e perder.

Mas, o mundo das finanças está a mudar. Se, por um lado, a digitalização e a inteligência artificial permitem o acesso à informação de forma mais lata e rápida, alteram a forma de trabalhar ou de investigar, por outro as competências exigidas são igualmente diferentes. Os profissionais do mercado financeiro têm de demonstrar cada vez mais as suas capacidades interpessoais, a inteligência emocional, soft skills, a capacidade de contar histórias aos diversos interlocutores – aos administradores, aos acionistas, aos investidores –, com enquadramentos cada vez mais complexos, que envolvem diversos conhecimentos, o económico-financeiro, o jurídico ou o fiscal.

Desde o início de 2015 que trabalho exclusivamente no mercado de Tax M&A (Mergers & Aquisitions). Para além da referida agressividade, é um setor com grandes exigências em termos de prazos, reporte e negociação. Mas, muitas vezes, as transações são mais do que números. Fica-me na memória um cliente que, no âmbito de um processo de venda, me perguntava se podia vender a sociedade, mas manter o número de contribuinte na esfera da família, pois tinha sido ele a criar a empresa – era como um filho. Para outra senhora, que se encontrava a negociar a alienação da sua posição societária numa empresa do setor do ensino, a sua preocupação era escolher o investidor, pois tinha de garantir que o novo sócio não iria descurar a qualidade do ensino dos “seus meninos” (os alunos da escola). Não são raras as transações que se pautam por vontades – compra-se porque sim, vende-se porque tem de ser ou vice-versa. É importante avaliar a força das partes, saber interpretar os sinais, criar empatia e encontrar equilíbrios. Nem tudo são números, nem tudo é financeiro, nem todos os riscos se querem correr e noutras vezes correm-se riscos sem sequer os avaliar.

É aqui mesmo que poderá estar o valor acrescentado da mulher neste mercado – o sexto sentido. É neste contexto que a diversidade de género e a inclusão do sexto sentido na mesa das negociações, que permite anular a frieza dos números ou esbater a relação ganhar/perder, aliada à curiosidade, poderá fazer a diferença.

O paradoxo é, portanto, grande – se por um lado está demonstrado que a gestão no feminino aumenta o lucro das organizações e, por outro, as características do mercado financeiro requerem o tal sexto sentido e multidisciplinariedade, então porque é que a percentagem dos lugares de liderança no feminino teima em não crescer?

Fica o repto – se, de acordo com o relatório The Ready-Now Leaders da Ong Conference Board, as organizações com, pelo menos, 30% de mulheres em cargos de liderança têm 12 vezes mais hipóteses de estar entre as 20% melhores em desempenho financeiro, porque é que as empresas não tomam como objetivo prioritário, acelerar a progressão das mulheres nas respetivas organizações?

 

 

Parceria PME Magazine/PWN Lisbon 
Este artigo faz parte de uma parceria editorial estabelecida entre a PME Magazine e a PWN Lisbon (Professional Women’s Network).