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Camila Nóbrega e Joana Morgado, especialistas do CNS Campus Neurológico Sénior (Fonte: Divulgação)

Empresas dementia-friendly

Por: Camila Nóbrega e Joana Morgado, especialistas do CNS Campus Neurológico Sénior

O declínio cognitivo e demência são entidades que surgem frequentemente na população idosa. Contudo, estas podem ocorrer em pessoas mais jovens, sendo que cerca de 9% dos casos de demência manifesta-se antes dos 65 anos.

Portugal é atualmente o 4º país da OCDE com mais casos por 1.000 habitantes, estimando-se que mais de 200.000 pessoas tenham demência. Tendo em conta a frequência e o impacto social e económico que a demência causa, esta trata-se de um tema de enorme relevância.

Algumas das manifestações de declínio cognitivo são, por exemplo, falhas de memorização de informação, discurso repetitivo, dificuldade em lembrar-se de palavras, em trabalhar com um aparelho tecnológico que antes dominava, em orientar-se no tempo, ou em compreender o que lhe é dito.

Estas dificuldades podem ser notadas pelo próprio e/ou pelos que o rodeiam, e sendo persistentes e de agravamento progressivo, devem ser avaliadas em consulta médica. Quando o declínio cognitivo conduz a dependência de terceiros para a resolução de problemas ou desempenho de tarefas do dia-a-dia designamos a essa condição de demência.

A demência pode existir no curso de diversas doenças, as mais conhecidas e frequentes são as doenças neurológicas como a doença de Alzheimer, que constitui a principal causa de demência com início em idade precoce (<65 anos) e tardia. Estas são doenças neurodegenerativas que se caracterizam por um agravamento progressivo e dependência crescente, sendo a evolução variável do ponto de vista individual e da doença.

Apesar da extensa investigação na área, não existe ainda uma cura para estas doenças, mas existem tratamentos não farmacológicos, farmacológicos para os sintomas, farmacológicos potencialmente modificadores de doença (anticorpos monoclonais aprovados pela FDA nos EUA) e a possibilidade de integração em ensaios clínicos.

Para além das doenças degenerativas neurológicas, existem outras causas de demência que podem ser potencialmente corrigidas como, por exemplo, os defeitos vitamínicos ou a síndrome de apneia obstrutiva do sono. Estima-se que cerca de 40% dos casos de demência possam ser prevenidos, estando esta prevenção associada à correção de fatores de risco.

A hipertensão arterial, diabetes mellitus, dislipidemia, tabagismo, abuso de álcool, sedentarismo, baixa escolaridade e poluição do ar são alguns dos fatores que se associam a uma maior probabilidade de a pessoa vir a desenvolver defeito cognitivo ou demência. A pouca socialização, má audição e má visão contribuem para o isolamento e, consequentemente, para o maior risco de apresentar defeito cognitivo.

As empresas podem desempenhar um papel de relevo no doente com demência e seu cuidador, não só pela responsabilidade social que representam, como pelo potencial benefício económico. São consideradas dementia-friendly as empresas que promovem uma identificação precoce da alteração cognitiva e da síndrome de sobrecarga do cuidador, conferem suporte ao doente e cuidador, criam as condições necessárias para o doente com demência manter algumas funções, defendem hábitos saudáveis e promovem formações para educação do cuidador e da comunidade.

Adicionalmente, o médico de Saúde Ocupacional é essencial para o rastreio da doença, para promover a prevenção de fatores de risco e referenciar para a consulta de especialidade para diagnóstico e tratamento.

Principalmente a demência de início precoce (<65 anos) tem um enorme impacto laboral. Estes doentes em fase de demência ligeira podem conseguir desempenhar as suas funções, pelo que estas devem ser incentivadas e, caso a entidade patronal assim o autorize, devem ser adaptadas às suas dificuldades e responsabilidades (simplificar tarefas, ajustar horários, teletrabalho). Esta deve ser uma oportunidade de formação/sensibilização dos restantes trabalhadores de forma que o processo seja natural e sem constrangimentos.

Contudo, à medida que a doença progride, as dificuldades tornam-se maiores com dependência crescente, podendo ser necessária integração em centro de dia ou mesmo institucionalização. Para os doentes mais jovens, a integração nestes serviços não é fácil porque normalmente estas são estruturas desenhadas para doentes mais idosos, tornando-se mais difícil a sua adaptação.

O doente com demência (independentemente da idade) e o seu cuidador têm direito a ser aceites pela comunidade sem discriminação, a sentirem-se incluídos e a não permanecerem confinados ao isolamento. Existem projetos de integração de doentes com demência em atividades laborais, como é o caso do Restaurant of Mistaken Order no Japão, uma iniciativa onde os empregados têm demência e o pedido pode nem sempre ser o real, mas onde o engano é entendido e aceite como um processo normal.

Tal como os doentes se sentem perdidos, também os cuidadores de pessoas com demência veem o seu mundo transformado, sendo que grande parte sente ansiedade e stress ao lidar com estas doenças. Mais uma vez, a empresa onde o cuidador trabalha deve conferir apoio, vigilância e adaptação dos horários. É importante combater o estigma associado à demência e promover o conhecimento e a educação na área.