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Artur Salada Ferreira, administrador do Lisboa Biz (Foto: Inês Antunes)

Estudar nos anos 40

Por: Artur Salada Ferreira, administrador do centro de negócios Lisboa Biz

Tendo nascido e crescido no meio rural, a minha carreira profissional de gestor e empresário só foi possível porque os meus pais decidiram fazer o enorme sacrifício de investir na minha formação, em Leiria, durante cinco anos, e depois em Lisboa.

Naquele tempo, ainda vigorava o princípio geral de que filho de agricultor tinha de ser também ele agricultor. Muitos pais eram analfabetos e achavam um desperdício o tempo gasto com a ida à escola. Mesmo em famílias abastadas isso acontecia. Daí que muitos desistiam durante a instrução primária. Alguns faziam a 4.ª classe e tornavam se agricultores ou empregados indiferenciados de um qualquer estabelecimento ou oficina.

Para o estudante oriundo do meio rural, um primeiro grande obstáculo era a ausência de transportes públicos para percorrer, no meu caso, 14 quilómetros diários, que só podia ser de bicicleta, qualquer que fosse a meteorologia.

Deixem-me aqui recordar os meus três companheiros diários de ida e vinda a Leiria de Bicicleta: o Zé (saudosa lembrança), o João e o Fernando.

Só com grande determinação e vontade de atingir outro estilo de vida, alguns se atreviam a entrar nesta aventura. Até porque algumas famílias nem meios tinham para comprar a bicicleta.

“Só com grande determinação e vontade de atingir outro estilo de vida, alguns se atreviam a entrar nesta aventura. Até porque algumas famílias nem meios tinham para comprar a bicicleta.”

O Estado Novo construiu muitas escolas primárias um pouco por todo o país, facilitando o acesso a instrução primária à generalidade da população.

Conferiu à 4.ª classe alguma importância e ao exame final grande solenidade, fazendo deslocar os estudantes à sede do concelho onde realizavam perante um júri prova escrita e prova oral. E deu-lhe a importância de um ‘doutor’ dos nossos dias, ao exigir a 4.ª classe para várias funções e profissões.

E depois da 4.ª classe? Ao criar dois sistemas de ensino secundário, o Estado Novo era por muitos considerado elitista, com o Liceu para os mais abastados ou de posições sociais mais elevadas e as Escolas Comercial e Industrial para o ‘povo’.

Este ponto de vista poderá ter algum fundamento ser intencionalmente assim concebido. Mas eu, que frequentei a Escola Comercial, consigo ver o copo meio cheio deste plano:

1 – Formação muito prática, orientada a um posto de trabalho;

2 – Curta duração dos cursos – cinco anos;

3 – Empregabilidade fácil na área de formação;

4 – Alternativa de ingresso no Ensino Superior via Instituto Comercial ou Instituto Industrial, conforme a área.

Os cursos comercial e industrial, com a duração de cinco anos, davam uma preparação teórico-prática para exercer com profissionalismo o segundo nível de hierarquia nas empresas para onde iam trabalhar, muitas vezes o primeiro de responsabilidade, e até se davam ao luxo de escolher o emprego.

Claro que os alunos do Liceu iam diretamente para a Universidade, mas os que não finalizavam a licenciatura ficavam com o diploma do 7.º ano, mas sem qualquer qualificação para um posto de trabalho.

Isto é, pelos 15, 16 anos, o diplomado pelas escolas técnicas escolhia um emprego enquanto o estudante de Liceu tinha de aguardar e conseguir licenciar-se.

Acresce aqui dizer que nós, os que fizeram a escola técnica, tínhamos acesso ao Instituto Comercial e Industrial e daí fazer a admissão à Universidade.

Muitos especialistas do sistema educativo consideram a criação das escolas técnicas uma das mais relevantes reformas do ensino de sempre.

As escolas profissionais que se seguiram nunca tiveram um papel tão relevante no sistema escolar embora desempenhem um papel muito importante.

“Muitos especialistas do sistema educativo consideram a criação das escolas técnicas uma das mais relevantes reformas do ensino de sempre.”

Gostaria de salientar as inúmeras facilidades de que, atualmente, os estudantes dispõem, mas perdem claramente nas condições de obtenção de um posto de trabalho. Mais concorrência, mais exigência nos conhecimentos, etecetera. Apesar dos avanços verificados no sistema educativo, as famílias ainda são muito solicitadas a participar nos custos do sistema.

Daí nasce a figura do trabalhador-estudante, ou vice-versa.

Desta forma, podemos afirmar que há, hoje, condições para quem quiser estudar não o deixe de fazer por razões económicas.

Com mais ou menos esforço, se houver vontade, todos hoje podem estudar.