Por: Fernando Amaral, chairman da Sendys Group
Dia 20 de dezembro de 2022: software houses num corrupio, a responder cabalmente a todas as exigências impostas às empresas pela administração fiscal, que iriam entrar em vigor a 1 de janeiro deste ano, e os clientes a usarem da melhor criatividade para ajustar modelos de gestão e arranjar orçamento para não terem dissabores, logo à entrada de 2023.
Dia 21 de dezembro de 2022 (a dez dias de todas as adaptações exigidas entrarem em vigor): o novo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que entrara para o Governo a 2 de dezembro, afirma que algumas das obrigações declarativas e fiscais para 2023 iriam ser adiadas e sai o DL 85/2022, que tem as várias medidas previstas para este ano.
O retrato, em dois parágrafos, do afã bipolar de 48 horas, em dois dos poucos dias úteis disponíveis até final do ano. Contudo, diz o ditado popular que “uma andorinha não faz a primavera”. Mas, como bem sabemos, também poderia ser o retrato da sofreguidão e ansiedade, seguida de frustração, de 2021, de 2020… Enfim, poderemos estar mesmo perante uma primavera a cada final de ano.
As razões? Sempre nobres e atendíveis. Neste caso, fazer face às consequências económicas e sociais decorrentes do contexto inflacionista e da guerra na Ucrânia, ainda resquícios da pandemia, que têm protelado, anos após ano, obrigações declarativas e fiscais facilitadas pela tecnologia. Mas, porque não falar antes e/ou também de grupos de pressão, que defendem pequenos escritórios de contabilidade e provocam atrasos na implementação de medidas tecnológicas, o que vai contra a organização moderna do tecido empresarial português? Deixo para reflexão.
As consequências? No caso das software houses e clientes, o viver na ansiedade de cumprir exemplarmente todas as exigências do Governo, até que, a escassos dias úteis do final de ano, tudo é protelado. A isto, junta-se o atraso na implementação da transformação digital das organizações, a que se soma a improdutividade e investimento perdido. Ou seja, enquanto se desenvolvem soluções que, até dia 21 de dezembro, eram obrigatórias, outras soluções importantes para as empresas não são desenvolvidas e os recursos e taxa de esforço aplicados vão por água abaixo.
Exemplos? Muitos. O SAF-T (PT), relativo à contabilidade e respetiva obrigação de submissão prévia, para efeitos do pré-preenchimento do Anexo A e I da IES, foram prorrogados para o período de tributação de 2024 a ser entregue em 2025. A comunicação do inventário valorizado foi adiada para 2024. Em 2023, continuam a ser aceites faturas em PDF como faturas eletrónicas (sem a assinatura digital qualificada). A Segurança Social prorrogou, até 31 de março de 2023, o prazo para as entidades empregadoras atualizarem e registarem os dados de contratos para vínculos ativos já comunicados à Segurança Social.
Tal como outro mal de que há décadas padecemos, a imprevisibilidade fiscal, que, está provado, afasta muito investimento nacional e estrangeiro de Portugal para outras economias, também esta imprevisibilidade que concerne às alterações tecnológicas, é nefasta à economia. Gera desmotivação e descrença em todos os intervenientes, software houses e empresas, baixa os índices de produtividade, por desvio de recursos para soluções adiadas e outras que acabam por não ser implementadas. E, a pior das consequências, desacredita o Estado, aquele que deveria ser a primeira pessoa de bem e gerador de eficiência na economia. Mas, nem tudo no Estado é ineficiência, basta olharmos para a cobrança de impostos.