Quinta-feira, Novembro 21, 2024
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Mindset: que falta às PME portuguesas?

Por: João Carreira

Segundo dados do IAPMEI, o tecido empresarial português é composto por 99,9% PME e apenas 1% por grandes empresas. Destes 99,9%, as médias representam 0,5% e as pequenas 3,3%, sendo que 96% correspondem a microempresas, a maioria do tecido empresarial português.

De acordo com o Barómetro PME este ano, os microempresários desconhecem ferramentas de avaliação e gestão de risco, não pensam em internacionalizar e não avaliam o impacto da sustentabilidade no seu negócio. Simplesmente, porque estão a gerir o dia a dia. 

Consultámos quatro especialistas reconhecidos em empreendedorismo para nos ajudar a entender o mindset do pequeno empresário e o que falta às PME para mudar esta mentalidade. 

Sandra Isabel Correia
Sandra Isabel Correia, mentora e empreendedora

Não podemos dizer que temos um tecido empresarial competitivo, antes pelo contrário, falta-nos capacidade competitiva porque somos demasiado pequenos, o nosso mercado é pequeno e a nossa visão é pequena”, afirma Sandra Isabel Correia, mentora de empreendedores. 

“O nosso tecido empresarial português tem pouca visão, somos pouco ambiciosos e não gostamos de trabalhar em comunidade. Estes fatores contribuem para a realidade económica em que vivemos. Basta olhar para a enorme percentagem de microempresas existentes no nosso país. É necessário mudar o nosso mindset e a forma como queremos posicionar-nos no mercado interno e externo. É isso que faz falta às PME portuguesas. Nós temos uma cultura empresarial assente nos empresários e não nos empreendedores. O empreendedorismo português é pouco representativo, mas é tudo uma questão de mindset, explica.

“Os empresários de hoje foram os empreendedores de ontem, porque para criarmos um negócio, seja uma startup, uma microempresa, temos de empreender, tudo começa por uma ideia, uma visão e sua concretização. O que acontece a seguir ao empreendedorismo é que o empreendedor transforma-se em empresário e esquece a sua génese original e o que o fez criar o negócio. Acomoda-se nesta posição de empresário e não arrisca, não desafia o seu negócio e não cria as ligações necessárias com outros empresários para juntos serem mais fortes. De uma forma geral, trabalham isoladamente e com medo de que a concorrência ganhe o seu mercado, em vez de se aliarem, criarem parcerias e evoluírem em conjunto. Exatamente por isto o nosso tecido empresarial não evoluí. Estagna e morre”, sublinha Sandra Isabel Correia.

“O nosso tecido empresarial só irá mudar quando a percentagem de microempresas diminuir e as pequenas e médias aumentarem, mas para isso acontecer, é fundamental mudarmos a nossa cultura de empresa e o nosso mindset. Só assim podemos ser competitivos e ganhar posicionamento no mercado.”

De acordo com o empresário Tim Vieira, as PME podem colocar três coisas que as startups fazem no seu mindset. A saber: nunca estar confortável. Uma startup não está confortável, porque tem de estar a agir para encontrar o mercado, para crescer, para começar a ter sucesso. “Acho que as PME, logo que conseguem um contrato e começam a atingir o break-even ficam mais confortáveis e não podem. Uma PME tem de estar fora da sua zona de conforto para boas coisas acontecerem”, sublinha.

Tim Vieira, Empresário e investidor
Tim Vieira, empresário e investidor

A segunda coisa é vender a visão que a PME tem de uma forma constante, de modo a atrair empregados com talento e para manter clientes e parceiros que tenham, pois tudo isso é importante para mostrar que a visão ainda está fresca e vale a pena acreditar que a PME vai ter um crescimento agressivo.

O último ponto é “network, network, network. É estar a mandar mensagens, emails, constantemente, trabalhar nas redes sociais, porque nunca se sabe de onde vem o próximo cliente e é isto que as startups fazem: olham para o resto do mundo, pensam globalmente, pensam naquela bala mágica que pode vir, a ‘silver bullet’, e as PME também têm que acreditar em fazer networking para boas coisas acontecerem.

Já a business angel, Isabel Neves, acredita que há quase duas décadas que a economia portuguesa cresce muito lentamente e que Portugal tem de sair deste ciclo, tem que crescer. “Só assim é que conseguimos que a economia portuguesa dê o salto e esse crescimento tem muito a ver com as nossas exportações e com a nossa capacidade de produção”, explica.

Isabel Neves considera que Portugal tem um problema de escala, devido ao tecido empresarial constituído por mais de 98% de PME, entre elas muitas “nano PME”: “temos muitas pequenas empresas, com pouca escala que depois tenham capacidade de potenciar o crescimento delas e o salto que elas precisam de ter para que a economia nacional tenha uma maior expressão e uma maior capacidade de ir à procura de novos mercados.”

Isabel Neves, Presidente do clube de business angels Lisboa
Isabel Neves, presidente do clube de business angels de Lisboa

Uma das principais necessidades que as empresas portuguesas têm para ter mais valor acrescentado, para conseguir produzir mais, para conseguir, inclusivamente, não só escalar mercados, mas, também, ter mais valor acrescentado que as diferencie e consiga pagar melhores salários é, exatamente, a capacidade de inovação, revela a empresária.

“As empresas são muito pequeninas, com equipas reduzidas. Por conseguinte, têm uma capacidade de financiamento muito reduzida e, portanto, internamente, têm muita dificuldade em apostar sobretudo em I&D, investigação e desenvolvimento, para conseguirem novos processos, produtos, designs, valor acrescentado que lhes permita dar o salto. É exatamente aí que acho que as PME mais consistentes têm que olhar para as startups porque são estas que trazem disrupção, inovação, com equipas capazes para trabalhar em fatores disruptivos e trazer cada vez mais inovação. As PME têm que aprender com as corporate ventures, não podem perder do radar as startups que dentro das suas áreas lhes podem trazer inovação, seja ela de produto, de fatores de produção, de mecanização e é a forma que as PME têm de conseguir ir buscar inovação fora porque não têm capacidade de desenvolver, não têm capacidade técnica, nem têm os técnicos, nem os meios que lhes permitam fazer via internamente, portanto, no fundo, é procurar o outsourcing dessa inovação exatamente nas startups”, sublinha.

Por sua vez, as startups só têm a ganhar com isto, porque para crescerem têm que começar a ter tração, angariar clientes, ter vendas que lhes permita ser auto sustentáveis e ir buscar financiamento e investimento.

“Portanto, as PME precisam das startups para inovarem, para conseguirem a tal inovação tecnológica e as startups precisam das PME para conseguirem cada vez mais clientes, tração, vendas e, inclusivamente, fazerem o upgrade dos produtos que desenvolvem. As PME que conseguirem olhar e ter sempre nos radar as startups que lhes possam trazer aquela inovação que não conseguem produzir internamente só têm a ganhar com isso. É a forma que nós possamos conseguir ganhar, efetivamente, outra escala nas nossas PME, que elas possam dar o salto qualitativo e quantitativo que tanto precisam para persistir, quer no mercado interno, quer na possibilidade de conseguir almejar novos mercados e conseguir chegar cada vez mais longe, aumentando as suas vendas, aumentando as exportações do país e dar esse crescimento, esse ‘up’ que nós precisamos para a economia portuguesa”, finaliza.

José Maria Rego, Cofundador da Raize
José Maria Rego, cofundador da Raize

O CEO da Raize, José Maria Rego, tem uma perspetiva com quatro pontos que considera fulcrais para as PME aprenderem com as startups: Foco na escalabilidade, internacionalização, proximidade com investidores de capital e foco no propósito.

Para José Maria Rego, é crucial dedicar recursos ao desenvolvimento de serviços, produtos e processos que têm potencial de escala, ao mesmo tempo que é muito importante “pensar global” assim que a empresa nasce, pois “a abertura a mercados internacionais expande significativamente o mercado potencial das empresas, e confere-lhes mais valorização”.

No que toca ao investimento, de acordo com o empresário, é importante que as PME possam “abrir o ecossistema de governance, partilhando capital, decisões, retornos, mas também responsabilidades, sendo que isto pode ter um efeito dinamizador da atividade das organizações”.

Por último, e esta premissa conflui com os restantes entrevistados, é necessário ter foco no propósito, na medida em que “é cada vez mais o fio condutor das organizações, fundamental para ajudar as lideranças a dinamizar e motivar as equipas, contratar e reter os melhores profissionais e promover um espírito empreendedor orientado para a inovação contínua”.

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