Por: Artur Salada Ferreira, administrador do Lisboa Biz
Já manifestei, em diversos momentos, noutros artigos de opinião, a minha profunda deceção com o meu país democrático que ajudei a criar, mais intensamente nos primeiros anos de Abril, daí estar muito desiludido com os políticos que pouco fizeram para proteger os mais débeis e não distribuíram a riqueza de forma a que todos pudessem dispor de um mínimo de condições de vida.
Enquanto vamos assistindo e participando na manutenção ou aumento das desigualdades, assistimos a reportagens sobre comportamentos inaceitáveis de quem se aproveita da posição que ocupa.
Parecem protegidos por forças com poderes especiais, daí o título desta crónica: “Os com abrigo”.
Efetivamente, todos os dias as televisões nos brindam com um (pelo menos) procedimento menos correto: corrupção, fuga de capitais, fuga aos impostos, etc… Nada acontece aos faltosos.
Tantos são os casos, que não caberiam no espaço que dispomos para este texto.
Mas ao cidadão comum fica a sensação de que nada é feito para identificar e punir os faltosos “com abrigo” garantido.
Não vou identificar potenciais culpados, mas custa ver tantos sem abrigo ou sem o mínimo de rendimentos que permita que todos disponham do bem-estar mínimo aceitável.
Enquanto escrevo este artigo discute-se no Parlamento o Orçamento do Estado para 2020.
Fica-me a sensação de que a distribuição da “massa” do orçamento consiste em discutir a que funcionário público destinar o IRS vindo de um operário.
Este grupo de “com abrigo”, que são os funcionários públicos, é numeroso e reivindicativo.
Isto é, tem que lutar, mas ganha porque tem força, são muitos, mesmo que seja para obter o aumento de 0,3% (ridículo) dispõe do abrigo que é ter emprego assegurado.
Compreendo que um membro do governo ou um gestor queira trabalhar com quem conhece e sabe ser capaz, mas o que tem acontecido mais do que seria desejável é o exército de familiares e amigos que são colocados sem que se reconheça capacidade para ocupar o lugar.
Não disponho de espaço onde pudesse indicar os nomes e atos praticados pelos grandes “com abrigo” e também repudio a ideia de que todos devem ser condenados em praça pública. Devem ser os tribunais a julgar.
Vou relembrar alguns dos acontecimentos que há anos vão sendo investigados sem que alguém tenha sido julgado.
O DDT [Dono Disto Tudo] é figura central num enorme saco azul onde metia a mão apenas quem satisfizesse os seus desejos.
Vários administradores de empresas em que o BES tenha interesses foram autorizados a meter a mão no saco azul.
Considerado o banqueiro do regime socrático, diz-se que terá autorizado a meter as duas mãos no saco, pelo que terá pedido ajuda ao amigo, que já tinha ajudado em muitas situações, inclusive um apartamento em Paris que valia 3 milhões de euros.
Estes são os dois casos mais representativos dos beneficiários do saco azul.
Podemos resumir em três grupos de “com abrigo”, dado que não têm o mesmo:
- Os grandes com abrigo – que participaram em atos de corrupção ou de grandes quantias;
- Os funcionários públicos – estão protegidos com a garantia de emprego estável. É compreensível e normal, mas cria uma grande desigualdade com o empregado do setor privado.
- Os familiares e amigos – que não estão preparados para o lugar que ocupam. Tratando-se de requisição é limitada ao período de duração da função.