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Ricardo Caldeira, autor do livro Cisnes Negros da Liderança (Foto: Divulgação)

Talento? A cláusula de rescisão é a boa liderança

Por: Ricardo Caldeira, leadermotionalist e autor do livro Cisnes Negros da Liderança

Depois da Great Resignation, o Quiet Quitting e o Shift Shock. O mundo organizacional não para de se transmutar. Primeiro, foram milhões de pessoas que se demitiram dos seus empregos por falta de apoio, por autêntico abandono. Está comprovado, as pessoas “demitem-se” das lideranças, não das empresas ou das funções. Depois, e sempre com a pandemia e as transformações que se tornaram inevitáveis, o “laissez faire laissez passer”, a atitude passiva e desinteressada que tantos emprestam às organizações. Entram às 9h00, saem às 17h00, ponto. O resto não lhes interessa, não é com eles. Mas o grande problema é que entre as 9h00 e as 17h00 também nada lhes interessa e nada é com eles. Um completo desapego emocional – estando, não estão. Este é um dos cancros de qualquer organização e um dos motivos, ainda que por vezes de forma indireta, para a saída dos talentos. Mais recentemente, e não é bom sinal nem um bom diagnóstico, o boomeranguismo profissional, pessoas que saem de uma organização, mas rapidamente regressam, por expectativas defraudadas, por se depararem com culturas ainda mais deficientes, por promessas goradas.

O que é que isto tem a ver com talento? Tudo!

Captar talento. Reter talento. Nos últimos tempos, mais do que sobre qualquer outra coisa, é disto que se tem falado. Afinal de contas estão aí as gerações mais qualificadas de sempre, há imenso talento à espera de ser captado e/ou retido…

O grande problema, pelo menos para mim, e estranhamente não vejo essa discussão, é que só se está a olhar para um dos lados da barricada – precisamente aquele onde, inegavelmente, há mais talento. A grande e maior falha que existe é então precisamente a falta de talento do outro lado: o dos líderes. Falta talento para a captação, para a retenção e para a remuneração de talento. Esta, sim, é a questão.

É que o talento não tem de estar, e não deve estar, exclusivamente do “outro lado” – para onde tendencialmente se leva sempre a discussão. Também é preciso talento, e muito, para captar, reter, gerir e liderar.

Vivemos tempos em que os liderados, as ditas gerações mais qualificadas de sempre, têm mais e maior competência, preparação e visão do que os seus líderes, e isso começa a criar problemas organizacionais, que se agudizam com a nova e diferente atitude que essas mesmas gerações têm relativamente ao trabalho. Já lá vai o tempo da resignação, tempo em que desde que lhes pagassem um ordenado ao final do mês as pessoas “seguiam”. Agora, o que as pessoas procuram é muito mais do que isso. E o dinheiro deixou de ser tudo.

“A grande e maior falha que existe é então precisamente a falta de talento do outro lado: o dos líderes. Falta talento para a captação, para a retenção e para a remuneração de talento. Esta, sim, é a questão.”

De que serve ter talento à disposição se depois não há talento para o potenciar? Talento requer talento. Talento merece-se e é como o respeito: quem o quer ter tem também de o demonstrar…

Uma das razões para este enquadramento talvez seja o facto de que para muitos líderes o talento mete medo, coloca em causa, expõe debilidades… É um eventual adversário e potencial substituto – para o líder é um problema ser visto como “inferior” a um qualquer liderado. Coloca os líderes sempre a olhar por cima ombro, com medo da própria sombra e é por isso que para alguns o talento não importa – até o preferem bem longe, pois quando perto agigantam as diferenças entre eles e esse talento.

Lembro-me, bem sei que há muito tempo, mas também sei que ainda há resquícios disso, de se dirigirem a mim com um “se te ensinar ficas a saber tanto como eu!”. Ora, não será precisamente esse o objetivo? Um ajudar o outro que, por sua vez, vai ajudar um terceiro, e quando damos conta estamos todos mais fortes?

Minimizam-se crises de liderança, porque todos estão em patamares elevados de preparação e adequação. Há melhor ambiente de trabalho e a tão desejada segurança psicológica. Arriscamos, inovamos… Vamos errar, é certo, mas o erro faz parte do processo e a negatividade que lhe está associada tem de ser definitivamente desconstruída e desmistificada. Queremos ficar, não é preciso reter-nos, e queremos ficar porque nos sentimos parte de algo, queremos continuar este processo, queremos fazer a diferença. Sentimo-nos importantes, decisivos. Pedem-nos ajuda e opinião. Participamos no critical thinking. Por incrível que pareça, tudo isto, per se, também atrai talento – ou os jogadores de futebol têm como ambição jogar no Real Madrid e não noutro qualquer clube, porquê?

Ganha cada um de nós. Ganhamos todos. Ganha a organização. Ganha o setor. Ganha o país.

Contudo, não fica por aqui. Já repararam que, de uma forma generalizada, os que mudam são os bons, nunca os maus? Porque será? É que para os maus está bem assim – quanto mais se mexer pior (ainda se arranja forma de “estragar” o bom que se tem).

Todos a devem interpretar e realizar, mas é ao líder que cabe o papel de dinamizador da cultura organizacional – os seus padrões, os seus valores, a sua exigência – bem como de garante da segurança psicológica.

Já os bons veem-se afundados em climas de toxicidade que nada ou ninguém beneficiam. Perdem perspetivas de valorização e crescimento pessoal. Deixam de ser ouvidos – ou pior, entendem que o melhor é deixar de falar. Deixam de ser felizes e perdem por completo o seu combustível, a sua energia e a sua motivação. Os bons colaboradores têm sempre a ideia de que ainda poderiam trabalhar mais, já referia André Gide, enquanto os maus, acrescento eu, têm sempre a ideia de que tudo o que façam, e por pouco que seja, já foi demais.

Qual é então a solução? Boa liderança. Boa liderança que passa por liderança diferente – não há que ter medo em ser diferente. Ser diferente marca a diferença. Liderança diferente, nos dias que correm é uma liderança emocional, comunicativa, próxima das pessoas. Uma liderança para quem todos contam, inclusiva. Uma liderança assente no carácter e na personalidade. Com visão – a atingir com recurso a valores bem identificados e por todos assumidos. Uma liderança humilde. Uma liderança que ri, mas que também não tem problemas em chorar. Em admitir erros. Em pedir ajuda ou delegar. Humana, diferente… o foco são as soluções, não os problemas, são retribuir e não apenas solicitar. Estes líderes são o que chamo de leadermotionalists, os cisnes negros da liderança – tão raros quanto necessários, uma exceção à procura de se tornar regra.

Já enquanto liderados, ser cisne negro é não ter medo de se expressar sempre que as circunstâncias assim o requeiram. É ser exigente. E exigir. É “reclamar”, quando tal tem de ser feito, em vez de se esconder e abanar que sim com a cabeça (embora se pense que não). É contribuir, e fazê-lo com interesse, com espírito contributivo, com genuína vontade intervencionista.

Henri Ford dizia que pior do que treinar um funcionário e vê-lo sair é não o treinar e vê-lo ficar. E é mesmo assim, passados tantos anos continua a não levantar quaisquer dúvidas. Patrícia Santos, CEO Zome, bem a propósito desta temática resume, e espero que para ressoar por muito tempo na cabeça dos nossos líderes: ”Quanto mais desenvolvemos as pessoas mais fazemos crescer as empresas”.