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Sérgio Bettencourt
Sérgio Bettencourt, vice-presidente APTintas (Fonte Divulgação)

Uma enorme dor de cabeça do tamanho de 0,2 milímetros

Por: Sérgio Bettencourt, Vice-Presidente APTintas


Enquanto consumidores individuais estamos habituados a associar duas letras, UE (União Europeia) quase a um jackpot: de fundos estruturais a “bazucas” do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência), a UE parece sempre surgir na sua função “seguradora” (quase figura paternalista), que em especial os portugueses tanto gostam de associar ao Estado.

No entanto a esta faceta, que nem sempre é “seguradora” mas muita vez redistribuidora do rendimento, e por vezes teoricamente compensatória (veja-se por exemplo o caso da PAC) há-que adicionar a faceta regulatória da UE. Longe de nós questionarmos a necessidade de regulação do mercado sobretudo em áreas onde as assimetrias existentes são obstáculo ao salutar funcionamento do mesmo de modo livre, no entanto como em tudo na vida e na economia, há um ponto óptimo, e quando o transpomos os custos são superiores aos benefícios no total da economia.

E é exatamente aqui que estamos, no setor das tintas, perante a recente proposta de alteração do Regulamento CLP (relativo à classificação, rotulagem e embalagem de substâncias e misturas) a ser discutida na UE, que inclui a imposição de um tamanho mínimo de letra nas informações constantes dos rótulos das tintas (como de outros produtos), sendo que para a embalagens entre meio litro e três litros, este seria de 1,2 milímetros. Se neste momento esta determinação parecerá razoável, deixará de o ser quando descrevermos o ponto de partida: atualmente o tamanho mínimo de letra em vigor para as embalagens mencionadas é de 1,4 milímetros.

Que diferença fazem 0,2 milímetros?
No desporto farão toda a diferença, porém para a correta visualização e perceção da informação impressa num rótulo para uma pessoa com acuidade visual média, não temos informação científica que comprove uma clara melhoria da legibilidade da informação, pelo contrário, num estudo independente pedido pelo CEPE (European Council of the Paint, Priting Ink and Artist’s Colours) a conclusão foi que esta alteração não contribuía para o aumento da legibilidade.

E para o setor das tintas em Portugal a diferença terá um impacto significativo na perda de competitividade do mesmo, pois com o tamanho de letra atual as embalagens têm a informação disponível em três línguas, o que significa que do ponto de vista industrial temos melhor capacidade de atingir economias de escala na produção destes artigos, sejam para consumo doméstico ou exportação.

Com mais 0,2 milímetros, esta possibilidade fica afastada, obrigando à criação de embalagens específicas consoante o mercado alvo, o que para além dos custos industriais envolvidos levará a um aumento desnecessário das unidades em stock.

A situação torna-se ainda mais caricata se compararmos esta situação com outros setores. No caso dos produtos alimentares o tamanho mínimo de letra está atualmente nos 0,9 milímetros. Haverá menor necessidade de legibilidade e segurança nos produtos alimentares do que nas tintas?

Recentemente, no setor dos vinhos foi permitido que parte da informação de menção obrigatória fosse colocada na página da internet do fabricante, com acesso direto através de um QR code constante nos rótulos, possibilidade negada nesta revisão do CLP e que poderia ser uma solução eficaz. Na nossa opinião, o problema dos rótulos das tintas não está no tamanho mínimo de letra, mas sim na quantidade de informação obrigatória que surge nos mesmos, e que acaba por ser contraproducente, já que o consumidor acaba por não ler nada (quantos dos leitores que compraram tintas recentemente leram integralmente o rótulo?).

Infelizmente, esta é uma tendência que ocorre também a nível nacional, por exemplo, nas faturas: de vez em quando, lá vem mais uma menção obrigatória a adicionar a todas as outras. Parece existir alguma dificuldade em entender que muitas vezes ‘Menos é mais’, e quanto mais informação colocamos no rótulo, claramente pioramos a perceção do consumidor sobre aspetos chave do produto, pelo que a lógica de ter a informação principal no rótulo (como finalidade. modo de aplicação e informação base de segurança) e informação complementar online parece-nos fazer todo o sentido também no setor das tintas.

Aguardamos com expectativa que esta revisão da regulamentação seja alterada, e que efetivamente se melhore a informação dada ao consumidor, mas de forma eficaz e eficiente, e que não coloque em causa os princípios do mercado comum da UE, através da redução da competitividade dos setores industriais dos países com mercado doméstico mais reduzido que na prática, é o que atualmente está em cima da mesa, por meros 0,2 milímetros.