Quarta-feira, Novembro 27, 2024
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“Temos de reinventar a indústria e não o artista” – Miguel Leão

Por: Mariana Barros Cardoso

Um coletivo de artistas abre portas à liberdade de expressão. Esta, juntamente com a paixão e a vontade de reinventar a indústria do audiovisual em Portugal, faz com que surja uma espécie de modelo de negócio moderno. Onde o mais importante é comunicar conteúdo, falamos com Miguel Leão, co fundador do projecto, juntamente com Mauro Hermínio  sobre como é que se sobrevive atrás das câmaras.   

PME Magazine – Para quem não conhece, Comicalate é?  
Miguel Leão – O Comicalate é um coletivo de artistas, ligados ao audiovisual, que produz conteúdos de ficção de forma independente. É uma marca que representa essa mesma linha de conteúdos, inovadora e atual. 

PME Mag. – Como é que surgiu a ideia deste coletivo? 
M. L. – A ideia era criar linguagens na ficção portuguesa. Andávamos a gravar episódios Piloto na procura dessas linguagens e tentar vender a canais de televisão, nessa altura não conseguimos vender nenhuma série. Decidimos usar o esforço que estava a ser colocado para gravar os episódios piloto, para produzir séries completas para o nosso próprio canal. Criámos um site, um canal de Youtube, um Instagram e um Facebook. Fizemos uma festa de lançamento no Tokyo Bar e avançámos com as nossas produções onde o conteúdo passava a ser medido apenas pela reação do público. O Comicalate já produz conteúdo há quase cinco anos e as primeiras séries foram produzidas em 2015: “Manitas” e “Bon Vivant”. 

PME Mag. – A paixão pela arte “move mundos e fundos”?  
M. L. – A paixão é o que sustenta um projeto como este. Juntando o facto de ser uma paixão partilhada entre todos os que fazem parte do Comicalate. Procurámos um lugar de expressão livre, que sentíamos que fazia falta. 

PME Mag. – E quando não há fundos? 
M. L. – Todos nós trabalhamos em diferentes sítios e diferentes áreas, utilizando o tempo livre para gravar. Dessa forma não dependemos de fundos. Ao trabalhar assim durante estes anos, permite-nos ir melhorando a nossa capacidade de criar conteúdos, para que quando haja fundos, eles nos permitam apenas exponenciar o que já estamos a trabalhar de forma contínua. As três séries produzidas para a RTP Play são um bom exemplo disso. 

PME Mag. – Como é que começou a vossa estratégia de financiamento próprio?
M. L. – Não foi propriamente uma estratégia. Foi uma necessidade que aceitámos, para que pudéssemos alargar o espectro da ficção e do pensamento do audiovisual em Portugal. Não queríamos adaptar os nossos géneros e ideias, então assumimos que o faríamos sem dinheiro, com a perspetiva de que os nossos conteúdos pudessem, um dia, ganhar valor de mercado – possivelmente mercados que ainda se estão a formar.  

PME Mag. – Quantas pessoas fazem o Comicalate?
M. L. – Todos os que já se juntaram e criaram connosco fazem parte do Comicalate. Neste momento, temos um núcleo de pessoas que estão mais ativas, cerca de 15, mas depende das fases e dos trabalhos que cada um vai tendo. Mas, por exemplo, quando produzimos as cinco séries em 2019 – “Frágil”, “Menos Um” e “Bad & Breakfast” para a RTP Play e o “Keeping Up With Comicalate” e o “Take Out II” para o nosso canal – nesses projetos colaboraram cerca de 100 artistas portugueses, de todas as áreas, desde técnicos a cantores, atores, etc. 

PME Mag. – As festas foram uma forma de reinventar o conceito do coletivo? Ou uma necessidade de negócio 
M. L. – A festa surgiu como sendo um evento de lançamento dos nossos canais, que aconteceu em junho de 2015, no Tokyo Bar. Mais tarde, fomos convidados a ficar com a residência das segundas-feiras nesse mesmo bar, e aceitámos o desafio. Assim nasceu o “Monday Special”, que dura até aos dias de hoje. A festa foi sofrendo mutações ao longo dos anos, mas, atualmente, funciona como o coração desta ideia. O que fazemos no palco simboliza a nossa busca por liberdade de expressão e comunhão num espaço. A maior parte das pessoas que integraram projetos do Comicalate conheceram-nos pessoalmente através das festas. Funciona como um local onde mostramos o que pensamos e, ao mesmo tempo, estamos presentes para quem quiser vir falar connosco. Não corresponde a uma necessidade de negócio, mas funciona como uma afirmação da marca e um espaço de interação.  

PME Mag. – O que ganham com as festas é para produzir conteúdo próprio. Existe o medo de não chegar o dia de haver lucro? 
M. L. – Não podemos ter esse medo, a ideia nasce exatamente para contrariar esse medo. Contudo, procuramos que o nosso produto tenha valor de mercado para que possamos produzir conteúdos com uma maior estrutura de produção, e aos quais nos possamos dedicar a 100%.  

PME Mag. – Há conteúdo novo a ser produzido? 
M. L. – Sim. Este ano representa o fechar de um ciclo. Desde que começámos o Comicalate, o mercado moveu-se na direção que esperávamos, e o nosso conteúdo faz cada vez mais sentido nos novos meios onde habitam conteúdos de audiovisual. Nesse sentido, pensámos a próxima produção com a ótica de ir ao encontro desses novos mercados. Estamos a produzir uma nova série para o nosso canal, “Pilot Season”, com cinco episódios piloto, de cinco criadores diferentes. A série servirá como leque de criações do Comicalate, com géneros e estéticas diferentes, mas com a nossa linguagem como elemento transversal, para que possamos desenvolver um dossier de venda e procurar financiamento. Ao mesmo tempo, lançamos a série no nosso canal online e alimentamos as nossas redes com conteúdo de comunicação e making of da “Pilot Season”. 

PME Mag. – Querem voltar à RTP? 
M. L. – É uma possibilidade. A RTP está a fazer uma aposta inteligente na sua plataforma digital, dando espaço e visibilidade a novos criadores. É uma estação que respeitamos e com a qual seria sempre bom voltar a colaborar. 

PME Mag. – Se pudesse definir um modelo de negócio, o vosso, como o explicavas ao público? 
M. L. – Criar séries para plataformas digitais e procurar operadoras, marcas ou serviços de streaming que tenham interesse na difusão ou aquisição dos nossos conteúdos. Continuar a construir o nosso canal de YouTube, que já conta com mais de 20 mil subscritores e três milhões de visualizações, para que possa tornar-se também numa fonte de rendimento. 

PME Mag. – Como se reinventa um artista a nível financeiro? 
M. L. – Temos de nos manter firmes e reinventar a indústria e não o artista. 

PME Mag. – O Comicalate é?  
M. L. – Ousado. Inovador. Inclusivo.

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