Por: Nuno Mendes Duarte, diretor Clínico Oficina de Psicologia
A ciência aceita a incerteza como elemento natural no processo de construção de conhecimento sobre nós e sobre o mundo. O caminho da ciência é, desde sempre, um caminho de redução de incerteza. Propondo hipóteses, testando-as, repetindo resultados e replicando em novos testes, criando modelos de previsibilidade em relação a nós e ao mundo que nos rodeia. Sabemos que a previsibilidade é mais amiga da probabilidade do que da possibilidade. Ou seja, enquanto seres humanos, simplificamos a complexa informação sob a qual se rege o mundo e desenvolvemos heurísticas (atalhos automáticos de pensamento para lidar com regras complexas) e estratégias comportamentais individuais que nos ajudam a navegar pelos mares agitados das nossas emoções, relações, famílias e trabalhos.
Em resumo: acreditamos ter mais certezas sobre a realidade, do que assumimos a realidade das incertezas existentes.
Diria que a forma como organizamos a nossa vida, pode resumir-se a dois conceitos fundamentais: aversão à dor e redução de incerteza.
Se isto é verdade para as pessoas e se as organizações são constituídas por pessoas, então…?
Então, as organizações estão estruturadas através de pessoas que querem evitar dor e reduzir incerteza para preservarem a sua sobrevivêcia psicológica.
Acrescento-lhe agora um novo dado. Sabia que grande parte das perturbações ansiosas, florescem porque as pessoas possuem baixa tolerância à incerteza? E, sabia que stress continuado agrava perturbações ansiosas?
“O caminho da ciência é, desde sempre, um caminho de redução de incerteza. Propondo hipóteses, testando-as, repetindo resultados e replicando em novos testes, criando modelos de previsibilidade em relação a nós e ao mundo que nos rodeia”
Regresso à ciência para lhe dizer que é possível nada disto estar a acontecer na sua empresa, mas a investigação indica que é provável, neste cenário agudo de incerteza em que vivemos e dado o stress gerado pelas solicitações diárias, que existam vários colaboradores seus com perturbações ansiosas, em elevados níveis de sofrimento.
Assim, uma eficaz gestão emocional da equipa e a implementação de estratégias saudáveis para aumentar tolerância à incerteza constituem-se essenciais na equação de saúde psicológica que procuramos.
Existe, hoje em dia, a tentação de encontrar respostas simplistas a questões que envolvem matrizes complexas que estão longe de soluções “one size fits all”.
Tenho plena convicção de que todos os gestores procuram dar o seu melhor, todos os dias, para responder aos desafios que enfrentamos. Não tenho, por isso, a veleidade de dizer-lhe como deve orientar as suas decisões estratégicas ou gerir as suas equipas.
“Uma eficaz gestão emocional da equipa e a implementação de estratégias saudáveis para aumentar tolerância à incerteza constituem-se essenciais na equação de saúde psicológica que procuramos“
Mas, se antes da pandemia existiam sinais de que as empresas estavam cada mais focadas em promover bem-estar nos seus colaboradores, esse foco, hoje em dia, torna-se imperativo.
Interessa-me transmitir-lhe o conhecimento inerente a modelos de intervenção clínica que integram as variáveis essenciais, para que a promoção da saúde psicológica dos seus colaboradores, atinja os resultados pretendidos.
Desafio: Fronteiras. Resposta: Flexibilidade
Desde o início da pandemia e do confinamento contámos com um percurso de adpatação aos desafios do teletrabalho. Neste momento, possuímos a vantagem de já conhecer essa realidade. Ou seja, quer esteja a trabalhar em casa sozinho, quer tenha a sua equipa na empresa, quer os seus filhos frequentem a escola ou teleescola, isto sabemos: mantenha claras as suas fronteiras e ajude a sua equipa a manter claras as suas. Tal como sempre, o seu papel deverá ser o de estruturar, coordenar e gerir o ritmo de trabalho. Então, qual é o desafio? A situação pode mudar, as necessidades da sua equipa podem mudar e as suas próprias necessidades podem mudar. Ou seja, a clareza de fronteiras exige coordenação do seu tempo com o dos outros e gerir expectativas relativamente ao fluxo de trabalho e aos tempos de resposta previstos. Curiosamente, a clareza de fronteiras é cada vez mais a definição das regras que permitem a flexibilidade das mesmas.
Por isto, ter momentos de check-in com os seus colaboradores é agora mais crucial do que nunca. A mensagem é simples, garantir que os elementos da sua equipa sabem que contam consigo para partilharem problemas emocionais e pessoais. Um dos perigos que o seu colaborador enfrenta consiste demonstrar que está a ser produtivo trabalhando mais em tarefas imediatas do que em tarefas importantes.
Num momento de navegação atribulada, o check-in não é um momento de controlo, é um momento de aferição da rota individual do seu colaborador e da (re)definição das fronteiras necessárias para criar foco nas tarefas.
Desafio: Vulnerabilidade. Resposta: Conexão
Repare no impacto que a palavra vulnerabilidade tem em si. Parece ameaçadora? Sente que está demasiado próxima de uma ideia de fraqueza? Talvez até de possibilidade de vergonha, ou de uma nuvem negra de crítica a pairar? Ou, pelo contrário, é reconfortante e transmite-lhe segurança?
A vulnerabilidade consiste em assumirmos que, como seres humanos, e perante a situação que enfrentamos, experienciamos emoções dolorosas como: culpa, frustração, medo, tristeza. A investigação demonstra que a liderança autêntica, que expressa vulnerabilidade, ajuda a fomentar confiança nas equipas e a aumentar envolvimento e desempenho dos colaboradores. A autora Brené Brown dedica muito do seu trabalho à investigação sobre como a vulnerabilidade está presente em momentos de incerteza, risco e exposição emocional. Segundo ela, a vulnerabilidade não é sobre ganhar ou perder. Consiste em ter a coragem de comparecer mesmo quando não controlamos o resultado. Assim, algo que tendemos a esconder dos outros pode revelar-se, não só, corajoso, como também, uma fonte de ligação e conexão entre si e a sua equipa.
Desafio: Incerteza. Resposta: Mindfulness
Finalmente, mais um desafio que todos enfrentamos. Perante a incerteza somos inundados com preocupações e perguntas que tentam prever, antecipar e conter potenciais consequências futuras. “Como é que sei que estou a tomar as decisões certas?”, “Como é que posso gerir a incerteza? E se isto só piora?”, “E se voltarmos todos para casa por tempo indefinido?” “Quando é que vai desaparecer a Covid-19?”.
Reparou naquilo que é comum a todas estas perguntas? Isso! Não têm resposta óbvia e por isso levam a caminhos circulares de interrogações que apenas potenciam mais desgaste. Uma outra curiosidade do mundo da investigação: o ser humano prefere um desfecho negativo previsível para o qual se pode preparar, do que permanecer na dúvida e incerteza sobre o que vai encontrar no momento a seguir.
Ou seja, como lhe disse no início, mais importante do que procurar um caminho de certeza torna-se essencial desenvolver maior capacidade de aceitação da incerteza. Através de um conjunto de estratégias, nomeadamente Mindfulness, pode praticar o aumento da tolerância à incerteza. Esta prática permite-lhe reconhecer quando a sua mente começa a vaguear e redireccionar a sua atenção para um foco que lhe seja mais benéfico. Junto com os seus colaboradores, poderão praticar formas de reconhecerem se estão a ter comportamentos e pensamentos automáticos que se tornam improdutivos nas vossas rotinas diárias. O desenvolvimento de um mindset mais consciente, mais sereno e mais focado permitirá a si e aos seus colaboradores encontrarem momentos de maior energia criativa, transformar momentos menos produtivos em momentos de foco e respeitar as fronteiras para usufruir plenamente de momentos de lazer.